Como Explicar o Primeiro Cariri Cangaço? Por:Guerhansberger Tayllor


Wescley Rodrigues e Guerhansberger Tayllor no Cariri Cangaço Parahyba 2014

Quando escrevemos algo, nossa escrita é calcada de subjetividade e influências, demandas do nosso meio social, e hoje não poderia ser diferente. No momento em que enfrento algumas dificuldades íntimas, a família Cariri Cangaço brotou na minha vida como uma planta que estava sendo regada no meu quintal dos sonhos. Então, como explicar o primeiro fruto (sonho) dessa colheita dos dias 22, 23 e 24 de agosto quando ocorreu o II Parahyba Cangaço? Essa é a pergunta que tentarei responder, embora reconheça que nenhum texto abarque todas as emoções que vivi nesses três dias (até porque o passado está morto e não volta nunca mais em sua totalidade), em especial o dia 24 de agosto, dia em que o evento foi sediado na minha querida cidade de Lastro-PB.

Para explicar a colheita tenho que perpassar primeiramente pelo processo de cultivo que teve início no ano de 2011, quando ainda era aluno do 3° ano do Ensino Médio na Escola Nestorina Abrantes (Lastro-PB), na ocasião tive a felicidade de ler o livro: Sangue, Terra e Pó[1], de autoria de José de Abrantes Gadelha. O autor narra a saga do seu avô, o Cel. (coronel) Manoel Gonçalves de Abrantes, de forma romanceada. Esse personagem sempre foi alvo de muitas representações por parte dos habitantes da minha cidade natal, Lastro-PB.


Luiz Gustavo, Raimundo Neto e Guerhansberger Tayllor

Na infância, lembro-me que quando meus pais saíam de casa para trabalhar, eu corria para a casa de minha avó paterna (Luiza) e ela carinhosamente como sempre estendia a rede no alpendre da casa convidando-me para dormir. No vai e vem da rede, ouvia estórias dos feitos do Cel. Manuel Gonçalves de Abrantes e de sua fazenda Concórdia, lugar onde nasceu e exerceu o mandonismo local durante a política coronelística (1920-1930). Estórias de cangaceiros, de inúmeros “cabras” e “jagunços” que guardavam a casa do coronel, inclusive um desses “cabras” era meu bisavô paterno, Raimundo Augusto (Ruado Velho), in memorian, que pouco contou sobre suas vivências com o coronel. Segundo minha avó: “muitas coisas ele viu e fez e nunca nos contou”. Até hoje tenho o Fascínio pelo Vivido[2], fascínio esse que me fez querer pesquisar sobre esse tema.
           
Quando li o Sangue, Terra e Pó, todas aquelas conversas tidas com minha avó Luiza retornavam como no exercício de rememoração feito por um jovem que estava prestes a fazer a difícil escolha de qual curso prestaria para o vestibular. Não pensei duas vezes e fiz minha inscrição para o curso de História, no qual consegui ser aprovado e nos primeiros períodos comecei a pesquisar sobre alguns eventos da história da minha cidade. No início do ano de 2013 conheci o professor Francisco Pereira Lima (hoje um dos meus melhores coiteiros) e seu maravilhoso sebo contendo livros de vários temas históricos do Nordeste, principalmente o Cangaço. Esse momento foi muito importante para mim, pois comecei a ter contato e indicações de leituras para iniciar os estudos nessa temática.

 Guerhansberger Tayllor e a sua primeira Conferência no Cariri Cangaço, Lastro 2014
Guerhansberger; sua mãe dona Gerlania Abrantes Sarmento e a avó, dona Luíza

Desde 2012 já conhecia o blog do Cariri Cangaço e sempre tive bel-prazer de participar dos eventos sediados pela família Cariri. Em 2013, ocorreu nas cidades de Sousa e Nazarezinho o I Parahyba Cangaço, na ocasião conhecia apenas o mestre Wescley Rodrigues e o Professor Pereira, mas duas pessoas estavam ali no evento, guardadas como flores despercebidas nos meus olhos. Que ingenuidade! Regadores de sonhos como Iris Mendes e César Nóbrega jamais poderiam ter o brilho humano ofuscado pelos meus olhos. Mas hoje sei o porquê. Ainda não era a hora certa de colher esses dois grandes amigos. Obrigado Iris e César, vocês chegaram no momento em que eu mais precisava! O Lastro só sediou o evento porque vocês pararam para ouvir minhas argumentações e acreditaram no meu potencial. Não preciso destacar o resultado dessa união, o evento fala por si só!

Receber Manoel Severo e a confraria do Cariri Cangaço em minha cidade (até então apagada para o mundo) foi simplesmente um sonho realizado. Foi um dos dias mais especiais da minha vida, pois ali estavam grandes amigos e familiares, em especial meus pais: Raimundo Augusto Neto, Gerlania Abrantes Sarmento, minha avó Luiza (que carinhosamente chamo de “Pris”), meu querido irmão Luiz Gustavo e minha namorada Aretuska Abrantes. Tudo que faço é por vocês. Inclusive, aproveito esse mecanismo para pedir-lhes desculpas pelas ausências nesses últimos meses. 

Também agradeço à minha prima Ana Maria e a minha amiga e eterna professora Joelma Celestino de Paula, que com o apoio da Prefeitura Municipal do Lastro proporcionaram um evento humilde, dentro das nossas limitações, mas grandioso no campo dos nossos interesses em soerguer a história e a cultura da nossa amada cidade.


Visita do Cariri Cangaço na fazenda Custódia em Lastro: Cariri Cangaço Parahyba 2014

Todas essas pessoas foram de suma importância para a realização desse meu sonho, proferir uma palestra no Cariri Cangaço ao lado de estudiosos como Ângelo Osmiro, José de Abrantes Gadelha, Narciso Dias e Otávio Maia. Agradeço a Manoel Severo e aos vaqueiros da história que conseguem extrair sonhos em histórias que tantos sonhos foram perdidos como no mundo do Cangaço. Que o diga os sonhos da família Pereira de Nazarezinho-PB, entre outras.

Uma das maiores ambiguidades dos estudos do Cangaço hoje pode residir no campo dos sonhos. Mesmo sabendo que os cangaceiros foram bandidos (mas não apenas), muitas das suas façanhas no sertão à dentro na última metade do século XIX e com mais intensidade na primeira do XX, aparecem na identidade dos vários nordestes e na realização de sonhos de curiosos, amantes, escritores e estudantes. Como justificar isso? Para responder, relembro uma conversa da infância, mergulhado no mundo das estórias da minha avó: “quem foi Chico Pereira, vó?”; “– foi um cangaceiro meu filho!”. 

Talvez ela nem saiba, mas essa resposta foi a primeira semente do sonho que colhi nesse ano de 2014 no II Parahyba Cangaço com a minha explanação sobre Manoel Gonçalves e Chico Pereira. É inimaginável pensar que hoje sonhos são realizados (como o meu) no berço das tristezas vividas pelas famílias nordestinas no tempo do Cangaço. Para quem acha que estudar o Cangaço é endeusar bandido, aqui pode estar uma resposta contrária. Estudamos o Cangaço para compreender esse momento da História do Brasil, que está ainda tão arraigado na memória e na cultura do povo nordestino, e quando estudamos algo, estamos ganhando conhecimento, e se temos conhecimento, temos o poder para realizar nossos sonhos. Como já apontava Francis Bacon que “o próprio saber é poder”.


Guerhansberger Tayllor 
Pesquisador - Cariri Cangaço
Lastro, Paraíba.


[1]  Ver: GADELHA, José de Abrantes. Sangue, Terra e Pó.  Sousa: A União, 1980.
[2]  Sobre o Fascínio do Vivido Ver: ALBERTI, Verena. O fascínio do vivido, ou o que atrai na história oral. Rio de Janeiro: CPDOC, 2003.

5 comentários:

F. ANTENOR GONSALVES disse...

https://www.facebook.com/lastroelastrenses/

F. ANTENOR GONSALVES disse...

Fundado em 1783, o povoado de Lastro passou a município por força da Lei Estadual número 2040, de 17 de junho de 1963; e a instalação do município se deu em 31 de agosto do mesmo ano. A divisão territorial só se deu a 31 de julho de 1967.
A origem do topônimo Lastro está em milhares destas moedas vindas com a expedição russa de 1783, com o objetivo de explorar a costa brasileira; e cujas moedas eram lastro para o navio mor e lastro para a empreitada.
Destas, eu guardo algumas comigo, a mim dadas pelo meu avô.
Curiosamente, apesar de tão pequena a população, o município tem quatro cemitérios – três inativos, sendo que dois são feitos em muros de pedras, localizados no Serrote do Cruzeiro. Há outro cemitério localizado em uma caverna... e, no início da década de 1960, quando faziam reformas na casa-grande, por ocasião das preparações para as festas das bodas de ouro do coronel Manoel Gonçalves (cujo casamento se dera em 17 de dezembro de 1911), mais precisamente em sua capela, à margem esquerda do altar central na capela de são Sebastião, que fica no centro da casa-grande, foram aí encontradas duas urnas – uma, contendo ossos e outra contendo jóias, objetos de ouro e prata e utensílios.
No dia 18 de outubro de 1915, uma segunda-feira, iniciou-se (como trabalho de emergência pela estiagem do ano anterior e agravada com a seca total daquele ano) a construção do Açude Grande – nos fundos da casa do cel. André Avelino, hoje casa do seu genro Arsênio Abrantes –, concluído em 04 de agosto de 1916, uma sexta-feira, e recebeu águas pluviométricas pela primeira vez em 08 de janeiro do ano seguinte, madrugada de um domingo para segunda-feira, sendo a população despertada pelo toque retumbante de um búzio soprado por Juvêncio de Zefa...
Em 1958 foi feita ampliação – extensão e alargamento da parede do referido açude, e a instalação de uma bomba para irrigação do canavial e do pomar.
Engenho ficava logo abaixo da casa grande, mais exatamente nos fundos da casa de Arsênio Abrantes – casa em que morou o coronel Avelino, antes de construir a casa grande – e funcionava por tração animal, mais exatamente por duas juntas de bois, tendo sido a junta formada pelos bois Marujo e Campeão os últimos bois a trabalharem na moagem de cana de açúcar, pois em 1942 os herdeiros do coronel André Avelino – através do seu genro José Antunes, herdeiro e último proprietário da fazenda Lastro antes de perderem todo latifúndio para Manoel Gonçalves de Abrantes – compraram locomotivas a vapor para os engenhos de cana, local de mamonas, devido serem usadas na apuração do melado de cana.

F. ANTENOR GONSALVES disse...

(UMA BREVE BIOGRAFIA PARA SE COMPREENDER UMA HISTÓRIA)
Екатерина II Великая (Catarina II – A Grande) imperatriz da Rússia, nasceu a 2 de maio de 1729, em Stettin, na Alemanha (Pomerânia, hoje território da Polônia, um porto do mar Báltico), filha do duque de Anhalt-Zerbst, foi batizada com o nome de Sofia Augusta Frederica de Anhalt-Zerbst, e morreu a 17 de novembro de 1796 – muitos autores registram o dia 16, mas neste dia ela teve apenas um AVC, ficando em coma até o início da noite do dia seguinte.
Comandando essa expedição, veio o russo de nome Andrey Limixenco (Андреы лимищенко), bisavô de Horácius, que fundou a fazenda Lastro no ano de 1783, com o lastro que trouxe quando veio da Rússia, a serviço da czarina Екатерина II Великая (Catarina II – A Grande) imperatriz de todas as Rússias. Depois, seus herdeiros venderam partes de suas terras para as famílias Vieira, Dias e Guedes, e estes para Avelino, ficando apenas com as terras do Capão de Dentro, mais tarde denominadas Russo Velho em alusão a este imigrante que, pela dificuldade do idioma e da cultura, terminou seus dias isolado. Com sua morte, os herdeiros foram perseguidos pelos proprietários vizinhos por mais de dois séculos, sendo que, em contrapartida à denominação daquelas terras de Russo Velho, os proprietários vizinhos – em uma das raríssimas vezes – se uniram para contrapor uma fazenda com o nome de Roça Nona (Roça em contraposição a Russo, e Nova em contraposição a Velho). Ainda recentemente eu intervi quando um remanescente de coronel andou forçando a “compra” do Russo Velho.
A imperatriz fundou escolas, desenvolveu as comunicações e desapropriou as terras do clero, que na época possuía um terço do total de propriedades e servos da Rússia. Correspondeu-se com filósofos, principalmente com os enciclopedistas franceses Diderot e Voltaire, e procura governar segundo os ideais destes e de Locke e Montesquieu; e sob a influência do pensamento deles manda escrever uma constituição de cunho iluminista:
“Não privar o povo de sua liberdade natural, e sim corrigir seus atos, com o objetivo de atingir o bem supremo. Portanto, a forma de governo que melhor atinge essa finalidade e ao mesmo tempo impõe menos restrições que outras à liberdade natural é a que coincide com a visão e os propósitos de criaturas racionais e alcança o fim sobre o qual devemos manter uma vigilância constante no que diz respeito às regulamentações da política civil.”.
Fundou a Universidade de Moscou, foi tolerante com todas as seitas religiosas e inibiu a tortura e a pena de morte. Morreu em São Petersburgo, então capital da Rússia. O filho Paulo I sucedeu-lhe no trono, e seu reinado durou apenas cinco anos, quando foi assassinado em 1801. Foi sucedido pelo neto de Catarina II, Alexandre I, que era o czar durante a malograda campanha de Napoleão Bonaparte na Rússia.
(Fonte: F. Antenor Gonsalves – escritor).

F. ANTENOR GONSALVES disse...

As ruínas expostas acima - casa-seda da fazenda Concórdia, e não "Custódia" - nada têm a ver com a história do cangaço, se não quando esta serviu de refúgio para Otávio Mariz.
Em seu livro “VINGANÇA, NÃO”, um dos filhos de Francisco Pereira – Pereira Nóbrega – diz que o bandido Otávio Mariz fugira para o Lastro, o que não é verdade, pois Otávio Mariz teria fugido com toda a família para a fazenda Concórdia, à busca da proteção de Manoel Gonçalves e seu bando, deixando irresponsável e cobardemente seus concidadãos inocentes e outros tantos que nada tinham a ver com as megalomanias e ignorâncias vicialógicas e atávicas dos tais “chefes políticos locais” pagarem por suas tiranias e insanidades.
Porém, nada – absolutamente nada – Manoel ou quem quer que fosse tido como valentão naquelas recônditas paragens fez para proteger aquela cidadezinha indefensa e anestesiada de medo.
Assim decorreram quase cinco anos, de 27 de julho de 1924 a 10 de abril de 1929, com Manoel Gonçalves no anonimato das emboscadas; no subterfúgio dos crimes; nas sombras dos estupros de adolescentes; no a-cúmulo de bens adquiridos ilicitamente com a ideia fixa de ser o “senhor de tudo que sua vista alcançasse”, conforme ele mesmo respondeu para seu pai quando este foi aconselhá-lo a parar com suas atividades – no mínimo – escusas.

Maria da Consolação Policarpo disse...

Sr.Antenor. boa tarde. Sem querer,pela internet cheguei a história da fazenda concórdia e aos seus comentários. Meu interesse é sobre a roça nova. Pois meu pai nasceu lá. Meus avós saíram de lá numa grande seca e foram para o sítio madeiro em Uiraúna. Queria muito saber as origens os meus tataravós. Que eram de lá. Meu avô se chamava Antônio Policarpo furtado e minha avó Maria Francisca Abrantes. Ambos do lastro e desse sítio roça Nova. Daí não entendi bem nos seus comentários se a roça Nova pertencia a quem ? Foi fundada por quem? Meu nome é Maria da Consolação policarpo. Se puder me responder a essas dúvidas fico grata.